O que pode correr mal num SOTA (XI)

O cume CT/MN-029 (Senhora da Lapa) é um cume tão acessível que dá para lá ir de carro. “Lá”, isto é, na zona dos 25 metros abaixo da cota do cume. Um cume que despertou em mim uma dúvida geológica, ou geográfica: O que define o cume de uma montanha? A parte mais elevada do seu terreno ou a parte de cima do penedo que está sobre a montanha? Bom, para mim e para efeitos das minhas sotadas, o cume é o ponto mais alto existente na montanha a activar. Aquele ponto do qual se pode olhar a toda a volta de cima para baixo… O cume CT/MN-029 é uma montanha sobre a qual repousam alguns penedos gigantescos. Tão grandes que só consegui chegar-me aos penedos, subir aos mais pequenos e ficar a olhar para os maiores. O trilho percorrido inicia-se junto a uma capela (da Senhora da Lapa) que foi construída “à sombra” de um destes penedos, típicos da região.
Capela da Senhora da Lapa
Não foram porém, os penedos que iam estragando a sotada, não. Tentei chegar tão alto quanto a vegetação, as minhas pernas e mãos permitiram, mas não consegui atingir o “meu” cume. Faltaram um machado e/ou uma escada com uns 5 metros… Já que dá para chegar ao local de carro, da próxima vez que for activar este cume, trarei a escada “na mochila”; mais não seja para fazer o vídeo de 360 graus e substituir o que deixei aqui (https://www.youtube.com/watch?v=iv4JMTmBi00), pois sobre este penedo só é possível montar uma antena vertical, uma vez que não há espaço para um dipolo em V-invertido como o meu.
CT/MN-029
Se não foram os penedos a colocar em risco a sotada, o que foi? – pensa o leitor – o que correu mal nesta sotada? Várias coisas! Tantas que só faltava mesmo uma avaria no equipamento para estragar a sotada e a tarde (de alguma forma).

A montagem do shack foi feita na beira do estradão que passa na zona SOTA, para facilitar o esticanço do meu dipolo de meia onda para a banda dos 40 metros. Ainda assim, foi preciso algum malabarismo com a vegetação alta e os ramos dos pequenos eucaliptos que por lá estavam. Se a montagem da antena foi complicada, mais difícil foi a desmontagem da mesma que ia ficando presa nos galhos e cujos “braços” voltaram ao dono, cheios de resina e pó de terra. Resumindo, a antena ficou um nojo! Lembram-se de no último episódio desta saga, ter voltado para o QTH com a antena molhada? Desta vez, foi pior: resina e pó. O coaxial também voltou para a mochila com resina q.b.

A estes ingredientes, juntou-se algum stress pela pressa com que ia sendo arrumado o shack. «Pressa? Então porquê?» – perguntam vocês. Eu explico. Nesse ameno sábado de tarde de Outono, ainda não tinha feito o meu primeiro QSO que fiquei rodeado de cabras; pacíficas.
As cabras, junto ao trilho de regresso ao carro
As cabras, a alguns metros do trilho, no regresso ao carro.
Timidamente, lá comecei a chamar na frequência enquanto as cabras e eu trocava-mos olhares de atenta curiosidade. Após o primeiro QSO, pensava eu que a selfie da sotada ia ficar fixe se aparecesse alguma cabra na imagem. Mas não deu. Nem uma foto! Pois durante aquele que iria ser o meu último QSO (apenas o sexto), reparei que as cabras se afastaram de mim enquanto um chocalho se ia aproximando por trás. Volto-me e lá estava ele a olhar de frente, fixamente para mim. Mas que bela besta! E que arrepio senti na espinha (acabei de voltar a sentir, enquanto escrevo este texto). A uns 10 metros de mim, permanecia imóvel um belo macho de raça Cachena, solitário, com pêlo preto a lembrar os touros ribatejanos, degradando para o castanho típico desta raça. Para me acalmar do susto, pensei para mim: «ah e tal, são animais pacíficos, habituados à presença do Homem…».
Belo boi de raça Cachena
«Ah e tal o caraças! Queres ver que o gajo quer participar comigo na activação?!» – pensei eu, em sobresalto, quando o vejo a dirigir-se para mim. Com o cavalheirismo de quem cede a passagem a uma donzela, coloquei o eucalipto que segurava no meu rádio, entre o animal e eu, sem nunca o perder de vista. Os segundos que demorei a perceber que ele não queria nada comigo, pareceram horas. Mesmo assim, por mais duas ou três vezes, ele virou-se de frente para mim, com as orelhas a desenhar o alfabeto grego no ar. Ainda agora não sei se ele estava chateado com a minha presença, mas no momento, com os mínimos superados, optei por terminar a activação, arrumar tudo e voltar para o carro, como quem não quer nada.

Sempre de olho no boi que volta e meia adoptava uma pose ameaçadora (penso eu, do alto da minha ignorância), lá consegui lutar contra a vegetação que não queria deixar-me levar a antena de volta para casa. Acabou por ceder à minha vontade, deixando as suas marcas resinosas por todo o lado. Para trás deixei o belo boi, caminhando calmamente em direcção ao carro mas com os ouvidos sintonizados no chocalho.
Desta activação, resultaram apenas 6 QSOs. A activação da manhã (CT/MN-025) tinha sido mais rica em contactos (18), apesar de estar a decorrer o concurso CQWW.
73 de CT7AFR, Emmanuel.