
Pois bem, a brincar a brincar, cheguei ao décimo terceiro episódio da série O que pode correr mal num SOTA. Por se tratar do episódio treze, este vai ser especial, vou usar psicologia inversa para não ter de mudar o título…
Quinta-feira 8 de Dezembro de 2016, dia feriado em Portugal. Com a meteorologia a prever céu quase limpo no Minho, ficando o “quase” para algumas nuvens cuja base não desceria abaixo dos 2000 metros, esta quinta-feira teria de ser dia de SOTA! E assim foi!
Com o colega e amigo CT1HIX (Gomes), tínhamos sonhado dias antes, riscar da lista os dois cumes da Serra da Cabreira: CT/MN-016 e CT/MN-003.
Contas feitas, atacaríamos o MN-016 em primeiro, estimando o início da activação para as 11:00 Zulu. O Gomes fez o especial favor de me apanhar em Viana para seguirmos viagem até à Serra da Cabreira. Os percursos estavam devidamente planeados no GPS, as estimas do início de cada activação foram anunciadas no sotawatch, da seguinte forma:
- CT/MN-016 – 11:00 +/- 30 min.
- CT/MN-003 – 15:00 +/- 30 min.
O primeiro trilho (para o MN-016) era composto por um misto de caminho em terra, corta-mato e estradão de gravilha (daqueles, típicos dos parques eólicos). Com um comprimento de perto de 3,5 quilómetros, estava previsto ser percorrido numa hora de marcha sempre ascendente. O segundo trilho, apesar de ter apenas um terço da distância a percorrer (cerca de 1 quilómetro), era apenas composto por corta-mato, num terreno íngreme e ainda por cima, em socalcos estilo escadas de gigante, para quebrar o ritmo de marcha…

Tudo começou a correr mal quando chegamos ao início do primeiro trilho, muito antes da hora prevista. Além disto, a subida foi mais fácil do que o esperado; mesmo assim com algumas breves paragens para recuperar algum fôlego enquanto escrutinávamos a paisagem. No cume, fomos acolhidos por uma matilha de cães de caça com ares esfomeados, porém, inofensivos (cão que ladra…). O local era desprovido de vegetação alta, pelo que o risco de ser confundido com algum javali, era reduzido, dependendo apenas da taxa de alcoolemia dos caçadores presentes.
Fomos até ao Vértice Geodésico (VG) existente no local (não aparece referenciado nas listagens da Rede Geodésica Nacional) e apreciadas as vistas, verificamos que o ponto mais alto do cume corresponde às coordenadas oficiais SOTA, sensivelmente a 244 metros a Norte do VG. Foi do local oficial que activei o cume na banda de 40 metros, enquanto o Gomes fazia o mesmo noutras bandas, ali perto.
O início da activação estava previsto para as 11:00, mais ou menos meia hora. No entanto, às 10:31 tinha feito o meu último QSO, num total de onze, entre espanhóis, ingleses, um português, um alemão e um italiano.
É um facto que, na minha pouca experiência sotista, os alertas deixados no sotawatch raramente vêem as horas a bater certo. Confesso que é um pouco por isto, pela falta de pontualidade inerente a este tipo de explorações, que gosto pouco de anunciar antecipadamente as minhas activações. Para a próxima, anuncio a hora prevista com uma tolerância de mais ou menos uma hora (ou mais).
Cerca de uma hora depois, já estávamos no carro a partir para o cume seguinte: CT/MN-003. Este cume dista do primeiro, cerca de 6,5 km em linha recta; o triplo, pelo caminho percorrido de carro.
Este trilho inicia-se num pequeno bosque, para que o carro ficasse à sombra, e representa uma distância de cerca de 1 quilómetro. Apesar da pouca distância, esta ia servir a terceira marcha do dia, sempre a subir e a subir bem, com um ganho total de elevação de 136 metros numa distância rectilínea de pouco mais de 600 metros.

Esta activação estava anunciada para as 15:00. Às 13:20 registava o meu último QSO, de uma série de 18 contactos em doze minutos, com estações espanholas, inglesas, alemãs, suíças e, pela primeira vez nos meus SOTA, sueca. Tudo, como sempre, nos 40 metros.
Regressados ao carro cerca das 14:30, estávamos com um brilho especial nos olhos ao vislumbrar no horizonte, a possibilidade de activar um terceiro cume neste dia: CT/MN-014 (Cerdeira). Instalou-se então a confusão com os GPSs. O tablet (Android) com Navigator, usado para navegar até aqui, não sabia onde ficava o cume desejado (não estava previsto, não tinha sido inserido nos POI). A cobertura GSM era inviável para espreitar a olho, o caminho no Google-Earth. O Etrex tinha os cumes todos para SOTA, mas não era o melhor para navegar de carro por estrada… Recorreu-se então a uma mistura de todas estas ferramentas para convergir visualmente para o cume, até o Gomes (que já tinha activado este cume) ter um flash-back e recordar o caminho a partir de dado momento.
O Sol estava cada vez mais baixo e tínhamos perdido algum tempo precioso na viagem para este cume. Optou-se por chegar tão perto quanto tolerável do cume, de carro. Estacionamos a pouco mais de 650 metros do Vértice Geodésico CERDEIRA, junto à junção de um “caminho de cabras” com o estradão de gravilha.

O trilho percorrido tinha cerca de 700 metros, mas o declive (média de 35%), aliado ao piso intragável (pedras rolantes e regos de água), fizeram-me perder o pio a dado momento (quem me conhece, sabe que sou conversador). O ritmo da escalada, em contra-relógio com o sol poente, provocou em mim um silêncio tão prolongado que assustou o Gomes que caminhava à minha frente…
Às 16:04 conseguia com alguma dificuldade, o primeiro de 7 QSOs. Depois, a greyline fechou a propagação. Quando eu dava por terminada a minha activação, fiquei a saber que o Gomes não tinha conseguido nenhum contacto em diversas bandas. O frio apertava cada vez mais, a propagação dava ares da sua graça, a bateria do meu rádio estava nos vapores, mas com insistência e teimosia, lá voltou a aparecer a santa propagação dos 40 metros e esta permitiu ao Gomes validar o cume com alguns QSOs nos 40 metros também.
Cerca das 19:00, estava novamente à porta de casa, 12 horas depois de ter encontrado o Gomes no ponto de encontro. Foi um dia em que o que correu mal fica quase imperceptível, junto do facto de termos validado 3 activações num dos cantos mais remoto da região Minho. Positivo, foi também o teste ao equipamento em condições mais agrestes, desde o vestuário especial recém-adquirido à autonomia da bateria. Tenho de reconhecer também que a última activação foi concretizada com alguma sorte, dada a hora a que ocorreu, em que a propagação dos 40 metros estava de partida.
Os ficheiros GPX com os trilhos percorridos estão disponíveis no sotamaps e na secção SOTA do meu site.
Ao Gomes (CT1HIX), fico agradecido pela excelente companhia neste dia.
73 de CT7AFR, Emmanuel.