Uma “vacada” no “Campo 1.º de Maio”

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Uma “vacada” no “Campo 1.º de Maio”

Mensagempor Emmanuel em 03 Maio 2010, 18:08

DATA: 1.5.2010

LOCAL e DESCRIÇÃO: Covilhã – “Out – landing” no “Campo 1.º de Maio”, entre a Covilhã e Capinha); locais mais importantes de passagem: Sabugal (a sul desta vila, não chegámos a ir lá) - Penamacor - Monsanto - Monfortinho – Idanha a Nova – “Campo 1.º de Maio”, ao pé de Oledo (N 39 58 56; W 7 16 03).

QUILÓMETROS PERCORRIDOS: 300 kms

MÁXIMO TECTO ALCANÇADO: 1.700 m (QFE)

CONDIÇÕES METEOROLOGICAS: Irregulares, apesar da existência de estradas de nuvens, em especial para “este” – o vento estava de NW, o que, apesar da serra, provavelmente trazia ar marítimo, pelo que, foi esse o raciocínio, à medida que nos afastámos para leste as condições meteorológicas para o voo à vela melhoravam. Isto verificou-se ser verdade, numa certa zona (Penamacor-Monfortinho).

PLANADOR: D - 69 (Duo DIscus)

OUTRO OCUPANTE: Pedro Araújo

DURAÇÃO DO VOO: 2h45m

HORA DESCOLAGEM e ATERRAGEM: 13:15 – cerca das 16h

OBSERVAÇÕES: A época de voo à vela de 2010 tinha começado para mim, de forma algo promissora, no dia 14 de Março, a que se seguiram, não obstante alguns dias de chuva intensa no mês de Abril, outros voos interessantes (pelo menos para os meus padrões, que são, para além da segurança, o prazer de voar, esta indizível sensação de liberdade que só quem partilha o voo à vela percebe o verdadeiro alcance destas palavras):
- Dia 28 de Março, com a minha mulher, num lindo voo de parelha capitaneado pelo Comandante José Aguiar (3h);
- Dia 1 de Abril, com o Rui Caseiro, dia em que o João Sabino aterrou fora (4h);
- Dia 25 de Abril, voo solo, também um voo de 4 horas, mas já com algum distanciamento: Torre – Manteigas – Guarda – Sabugal até à fronteira – regresso para a serra – ida até Alcains e regresso à Covilhã.

Depois de um inverno rigoroso e prolongado, a vontade de regressar à actividade é enorme e, ainda que as previsões meteorológicas não fossem as ideais, o dia 1.º de Maio parecia ser um dia em que ao menos poderíamos voar. E isso já era bom.

Eu e o Pedro encontrámo-nos às 10h, em Mangualde, com o grande entusiasta da aviação desportiva Arlindo Silva, o Paulo Silva, seu filho, e o António Godinho. Na viagem para a Covilhã viemos a ouvir os dados “mentirológicos” que o Pedro tinha recolhido, acompanhados de explicações técnicas sobre o CAPE, o TI (thermalindex) e o LI (liftindex). Pelo que íamos vendo pela janela do carro, depois de passarmos para o lado “este” da Serra da Estrela, parecia que a coisa iria estar melhor do que à primeira vista parecia.

Fomos para o ar cerca da uma hora e pouco da tarde, rebocados pelo Miguel no seu “SP”. Fui eu, o Pedro e os seus inúmeros apontamentos e cábulas meteorológicas. A coisa prometia – céu com muitos cúmulos, com o tecto, na serra, bastante extenso e carregado, mas com estradas de nuvens para “este”. Depois da largada do cabo, a altitude bastante elevada, dirigimo-nos para lá da “Capinha”, para a pedreira que aí se encontra e, apesar de anteriormente termos andado um bocado aos papéis para passarmos dos 1.200m, nesse local chegámos ao tecto da nuvem que ali se formou. Seriam uns 1.500 m QFE. Com aquelas apetitosas e convidativas estradas de nuvens pela frente, resolvemos abalar (com meu diz o meu amigo Cabrita) e percorrê-las tão longe quanto possível, tão rápido quanto possível (no regresso teríamos vento de frente, provavelmente mais forte). A razão não foi só essa: foi também para fugir às repetidas provocações do Comandante Arlindo (“Bicanca, daqui KB, o teu canopy é muito bonito aqui de cima”, etc.) e provocá-lo. Mas, não obstante as ditas “estradas” que se perfilavam, de modo ordenado, no horizonte, a verdade é que as condições de voo não estavam nada de especial em termos de TI e TE, o que, de resto, confirmava o que o Pedro nos tinha anunciado na viagem com base nos seus papéis. Muito trabalho, muito suor, para mantermos o Duo em altitude de segurança – leia-se de regresso a LPCV dentro do “cone”. Estipulámos, entre nós, que, abaixo dos 1.300 m, procuraríamos “reabastecer o combustível”. E assim fizemos. Inopinadamente, porém, ali ao pé de Penamacor, as nuvens começaram a “bombear” muito melhor (chegámos a integrar a cerca de 4m/s, muitas vezes com picos de 5m/s e mais) e o tecto subiu para os 1.700 m QFE. Não, ali é que estava bom. Então, a partir daí, retomámos o nosso ataque ao KB: “Arlindo, estamos em Penamacor”; “Arlindo, estamos em Monsanto”; “Arlindo, estamos em Monfortinho


Arlindo, estamos no
chão!”
Bem, já lá vamos à “vacada”.

O problema do voo à vela é que, para mais não estando a voar num SLMG ou num “sustainer”, temos que fazer uma gestão inteligente e racional do voo (leia-se, da energia). E o problema foi esse: fiz – assumo a culpa – uma má gestão do “combustível” que tinha (em Monfortinho estávamos altos, penso que, no mínimo, com uns 1.600 m – o que, de qualquer forma, não dava para regressar a LPCV, mas dava para aterrar ali, na pista local, se as coisas se complicassem); uma má opção de trajecto (em vez de irmos para sul, direcção Gardunha, devíamos ter regressado pelo mesmo caminho, táctica que utilizei no meu voo do domingo anterior); “tive mais olhos que barriga”: leia-se, armar-me em bom, com tectos relativamente baixos e condições meteorológicas nada de especial. Foi no que deu.

O problema, essencial, talvez tenha sido a nossa hesitação no trajecto de regresso: quando vimos que para sul estava pior, ficámos num buraco enorme que não nos deixou alcançar a estrada de nuvens que a norte tínhamos, com êxito, anteriormente percorrido. É verdade que, à nossa volta, formaram-se muitas nuvens – o que deu para confirmar já depois no chão – mas onde nós estávamos era só “azul”. De acordo com o GPS do Pedro, perdemos da barragem da Idanha até ali, ao “Campo 1.º de Maio”, em Oledo (que dista poucos quilómetros da barragem), 1.400 m!!! [nota: a ideia de irmos para a barragem teve a ver com uma nuvem que lá estava, mas que já não funcionava].
Que buracão medonho!

Para agravar a coisa, apanhámos, vento de frente! Bonito serviço!
Ainda consegui agarrar uma térmica que, desde os 200m – o que naquele local deveriam corresponder a uns 300m AGL, pois ali estamos mais de 100m abaixo da Covilhã - , nos levou aos 450m (550 m AGL). Aí disse para o Pedro, quando ainda subíamos e o “abastecimento do depósito” parecia estar garantido: “Oh pá, isto hoje vai ser uma carraspana das grandes!”; responde-me ele: “Oh, António, estava mesmo a pensar nisso!”
Foguetes ao ar antes da festa. A minha falta de humildade e a arrogância do momento estragaram tudo. Bem feito!

O Pedro, antes disso, quando tínhamos estado baixo, já havia seleccionado um campo (“Well done”, Pedro!), que também me pareceu bastante bom. Estávamos outra vez a ficar baixo e tínhamos que nos aproximar do alvo. Ainda houve, pelo caminho, uns “bufos”. Mas já não dava para nada. Fizemos um vento de cauda muito curto, na verdade uns 8 afastados da cabeceira da pista ali improvisada – baptizada, entretanto, “Campo 1.º de Maio” – até ficarmos apontados para a final com a altura necessária e o vento de frente (bastante calmo ao nível do solo, diga-se). Controlei a velocidade para não passar dos 80kms e, uma vez que o campo tinha umas árvores na cabeceira, entrei um pouco de lado, para as evitar; passadas estas, alinhei a máquina, já em cima do campo, rumo ao chão. Num curto momento pareceu-me que me aproximava demasiado depressa do gigante metálico que, no lado contrário do campo, ali permanecia quedo e assustador – um enorme sistema de rega móvel. Decisão imediata, sem hesitações, que aprendemos, no curso da Bicanca de “cross country”, com o Zé Aguiar: “full” freios! E então, o meu dócil e obediente DD – que máquina maravilhosa! – afundou sem problemas e, já perto do solo, pousei primeiro a cauda, como o Zé nos ensinou, e travei energicamente. Rolámos, segundo o Pedro depois mediu, 80 metros!.. ficámos a muitos e muitos metros do terrível “Adamastor”!

O planador não teve um risco. A pista era excelente! Mas, a quem ler este relato, deixo aqui um conselho: aterrar na pista de terra cruzada de LPCV é um excelente treino para aterrar fora!

Abrimos a “canopy” e quando olhámos para o lado, vimos um bando de umas 5 ou 6 cegonhas “enrolando” alegremente uma térmica – na verdade, também não subiram muito. Incrédulos, ainda pensámos que seria o Arlindo, zombeteiro, com umas cegonhas telecomandadas a gozar connosco. Mas não. Eram aqueles dóceis pássaros a praticar o que sabem fazer melhor: voo à vela. Que imbecil me senti.
Para compensar, o local era lindo, bucólico, imensamente calmo e extenso. Percorremos descontraidamente 5 km a pé, por uma estrada de terra até encontrarmos a “civilização”. Esta apareceu na forma de um “Peugeot” de dois lugares, conduzido por um prestável agricultor que nos levou, encavalitados no lugar da frente, até ao Café Caçador, em Oledo. A logística do resgate já tinha sido preparada pelo Arlindo, que obteve a prestimosa ajuda do Eng. António Neto e do seu jeep Mercedes. O tempo que ali esperámos foi curto e o suficiente para despejarmos, entre fortes gargalhadas, 4 cervejas cada um. A festa tinha começado. Desarmámos o planador em 10 minutos – éramos 7, mais o simpático dono do terreno que ali apareceu e connosco registou umas fotos para a posteridade.

O Arlindo e o Paulo, seu filho, interromperam o voo para nos virem buscar. Foram mesmo fantásticos, tal como os outros e, em especial, o proprietário do jeep que nem sequer é piloto e foi “recrutado” sem pré-aviso. Fizeram 140 km, ida e volta, para nos virem resgatar! De qualquer forma, até compreendo o Arlindo pelo gozo que a seguir retirou do nosso encontro no solo: “Com que então, Monfortinho?!...”
A festa continuou animada, já na Covilhã, com o opíparo jantar que o Sr. Fazenda nos preparou – um saborosíssimo “Bacalhau à Gomes de Sá”! Como é da praxe paguei o jantar. E isso, por estranho que pareça, tem um sabor especial, principalmente quando tudo acaba bem!

Que dia fabuloso de voo e camaradagem!

Agora já percebem porque assino, acronimamente, os meus e-mails do “airlomba”: AVC – “Adoro Vacas no Campo!”
António Vieira Conde


Muito obrigado ao António pela partilha da sua experiência.

Cumprimentos a todos,
LOMBA, Emmanuel.
Apenas vejo dois tipos de planadores no céu: os Blanik e os outros...
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Emmanuel
 
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Re: Uma “vacada” no “Campo 1.º de Maio”

Mensagempor Debade em 07 Maio 2010, 07:44

Muito bom !!!!, didático e divertido.

Antonio não nos conhecemos mas para alem do "jeito" para voar (já me foi confirmado pelo Arlindo) tambem há jeito para a escrita !

Abraços e bons voos.

Joao
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Joao Carlos Almeida da Silva
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