O que pode correr mal num SOTA (VII)

Logbook
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Por mais que se consultem cartas topográficas, ortofotos, trilhos e testemunhos de pioneiros, nada bate a experiência pessoal e o respectivo somatório final. O colega Carlos Gomes (CT1HIX) e eu combinamos unir forças às 0600Z junto do QTH do primeiro, para iniciar o ataque ao cume CT/MN-011 Penameda (erradamente referido como Concieiro). Levantei-me às 05:00 de uma noite preenchida com insónia; provavelmente fruto de uma excitação infantil pelo que estava previsto para o dia seguinte: SOTAAAAAAA. 🙂 Estava tudo preparado desde a véspera. Era só tomar um duche, vestir-me e meter-me no carro com destino ao “meeting point”…

1) Ao chegar ao portão da garagem do prédio onde resido, constato que este está meio-aberto, meio-fechado. Tanto com o comando quanto com o botão de parede, o portão não se mexe, começa bem o dia! A viagem QTH-meeting point tem uma duração prevista de 45 minutos, precisamente o tempo que tenho para não chegar atrasado. Quero abrir manualmente o portão, mas desapareceu o cabo que solta o mesmo do carrinho de reboque. Vou à minha garagem buscar uma vara (daquelas de fixar um rolo de pintar) e lá consigo soltar o portão que se fecha violentamente, num fantástico estouro sonoro de acordar um prédio inteiro. O cabo de aço que prende o portão ao sistema de mola que alivia o peso do mesmo estava desengatado. Era preciso uma pessoa para abrir o portão e segurá-lo em cima, enquanto outra tirava o carro da garagem do prédio. O raio do portão parecia pesar toneladas para o levantar até à posição de aberto. E depois? Quem o segura? Lá me lembrei de ordenar ao sistema para “abrir” até que o trinco engatasse novamente no carrinho de reboque. Sucesso! O portão ficou aberto! Vou arrumar a vara de pintor na garagem, volto para o carro, meto-me nele e vejo o portão a fechar automaticamente porque já estava aberto há 1 minuto… Ou seja, voltei à estaca zero. Como já conhecia a receita, voltei a repetir os passos necessários, mas desta vez, a vara de pintor ficou na mala do carro! Estava a deixar o meu QTH cerca de 20 minutos após a ETD. No caminho deu para recuperar 5 minutos tendo chegado ao meeting-point cerca das 0615Z, onde me esperava o CT1HIX devidamente informado da minha peripécia, via CQ0VSA.

2) O meu carro ficou no meeting-point e seguimos no carro do Gomes para o ponto inicial do trilho. Com o entusiasmo de meter os pés ao cominho, o meu chapéu ficou no banco do MEU carro. O que me vale é ter a cabeça dura, mas certamente iria ficar com dores tipo ressaca nofim do dia (e fiquei!). Falhou a consulta do check-list “before take-off”. 😉

3) Pela primeira vez, iria seguir um trilho no meu GPS, baseado numa mistura de trilhos sacados do wikiloc, em vez de me orientar pelos trilhos referidos no mapa original. O resultado final foi positivo mas houve desvios devido a fazer confusão entre a setinha da nossa posição com a setinha do cursor do GPS; falta de prática da minha parte com este GPS. Habitualmente crio os meus trilhos no GPS, logando o percurso feito em vez de carregar trilhos de terceiros. Como disse, chegamos ao destino, mas houve fossos a transpor, com direito a passar por cima e por baixo de penedos e abrir caminho por sítios onde provavelmente nunca ninguém passou. Oportunamente, partilharei o caminho que trilhamos e que ficou logado no meu GPS.

4) Sabíamos que a fase final do trilho iria dar trabalho, mas não tínhamos a certeza se iria implicar escalada livre. Eu tenho um problema com alturas apesar de não ter problemas com altitudes; isto é, voo em máquinas que nem têm motor, mas subir escarpas ou mastros de antenas… cof cof… Lá avancei lentamente mas confiante, atrás do “cabreiro” Gomes que me ia motivando a não ficar pela cota -25 metros e ir até lá acima. A mochila não me pesava muito nas costas apesar da sua dezena de quilos, mas a alteração de centro de massa que ela provocava em mim, dificultava e punha em risco a minha escalada: o Gomes (ah, grande Gomes!) ofereceu-se para ser o meu sherpa na “recta” final da ascensão. Muito obrigado Gomes! Se não fosses tu, teria activado o cume desde o penúltimo degrau. A descida foi a bate-cu, com calma, lenta e segura, qual elefante a saltar de nenúfar em nenúfar.

5) É boa prática levar consigo um repelente de insectos. Mas os que encontramos lá em cima, riam-se para nós num tom jocoso de como quem diz “ólhamestes! Vêm práqui com sprayzinhos pra mosquitos de cidade, ahahahahaaaa”. De facto o melhor dos repelentes não tinha qualquer efeito sobre a núvem de “mosquitos” que pairava precisamente sobre o cume de Penameda. Fiz o meu vídeo “360º” à pressa para ir um pouco mais além montar a antena, mas a núvem de “mosquitos” lá foi pastar para outro lugar: porreiro, já posso armar a barraca aqui mesmo. No processo de montagem, a nuvem voltou a visitar-me mais duas ou três vezes… Comecei a operar, a cobertura GSM facilitou o autospot no sotawatch e rapidamente fiz os 4 QSOs que me validariam o SOTA. Ao querer despachar-me dali para fora, acabei por perceber que afinal os “mosquitos” eram apenas formigas aladas, curiosas e inofensivas, mas chatas. Tão chatas que era preciso varrê-las de cima do meu logbook para poder escrever sem espalmar algumas (ver foto). Fiquei mais um pouco para mais uns QSOs na companhia delas.

6) IARU Region 1 Field Day SSB. O nome diz tudo! Este evento dificultou o SOTA ao colega CT1HIX e eventualmente outros operadores QRP. Mas com paciência e astúcia os resultados desejados foram superados. 😉

Caro leitor, queira desculpar o lençol deste episódio. Se leu até aqui, parabéns! Espero que sirva de lição tal como a mim. 🙂

73 de CT7AFR.